Pudesse eu votar há exactamente dois anos, e teria votado Não. Hoje, mais convictamente ainda o faria. Por questões de forma e de conteúdo.
1. Para mim, a regra é clara: aborto nunca! Como para qualquer regra, há excepções. Que excepções deverão então existir? Situações absolutamente graves a ponto de... serem justamente excepções! Ou seja: violação, grave deformação do feto ou risco de vida da mulher. Ponto!
2. A linha de pensamento vigente é a de que a mulher está no seu direito de dispôr do seu corpo. A mulher é dona do seu corpo. Acho isso tudo muito bem... mas pergunto: o que é que isso tem que ver com a questão do aborto? A criança é porventura algum órgão extra de carácter temporário e que ao fim de 9 meses é expelido do organismo da mulher? O feto tem um código genético diferente, é uma pessoa diferente, é algo distinto da mãe! Custa-me que nem isto seja consensual: o feto é uma criança que está dentro da barriga da mãe, e não uma parte da barriga da mãe!
3. Este tempo da nova lei do aborto tem deixado claro que, infelizmente, o aborto hoje é um método contraceptivo. É uma pílula do dia seguinte. E é-o por via da mentalidade de hoje – o álcool ou "a idade" são justificações comummente válidas para ter relações sexuais sem métodos contraceptivos. "Ah, foi do momento!", "Ah, na altura não dava!", "Ah, no calor do momento não nos lembrámos!"... E como são novinhos, têm a escola para acabar, é lugar comum considerar-se não que se vai tirar uma vida, mas sim que se vai garantir dois futuros brilhantes e cheios de sucesso (ou não, mas para o caso é irrelevante…). Conclusão: estranhamente (ou não), o aborto não é posto em função da criança! Numa sociedade que se afirma como querendo defender os mais fracos, os mais indefesos, etc. e tal, a pessoa mais vulnerável neste processo é aquela que por força da lei e da vontade popular é remetida para segundo plano!
4. Querem fazer sexo? À vontade! Mas meus amigos: se se consideram suficientemente maduros para terem relações sexuais, serão também maduros para saberem que há responsabilidades. Máxima liberdade, máxima responsabilidade!
5. Esta lei seria viável (e, ainda assim, dela discordaria por uma questão de princípio mas não de consequências práticas) numa sociedade em que as decisões fossem sempre iluminadas pelo bom senso. Mas a própria prática nega isso mesmo, portanto, ainda que reconheça que a anterior lei não fosse perfeita, parece-me que era claramente preferível à actual.
6. Dizia o Sim que era chocante apelidar de criminosa uma mulher que abortasse fora das circunstâncias previstas anteriormente na lei. E votar Sim não foi dizer que serão criminosas todas aquelas que abortarem depois das 10 semanas, como de resto recentemente aconteceu numa clínica ilegal?
7. Realizou-se este referendo devido a preocupações sociais. Ora, se a opção da despenalização do aborto não visa simplesmente recorrer a um meio mais facilitista, pergunto: que tem o Estado feito, p.e., pelas adolescentes grávidas que tentam não abortar? É que na verdade já desde 98 que os movimentos pelo Não andam em trabalho de campo, no dia-a-dia, em associações que acolhem crianças ou que apoiam jovens grávidas, mas ao Sim só vejo mexer-se em 98 e em 2007 para organizar campanhas.
8. Importa ainda enquadrar no tempo a realização do referendo: o Governo dito socialista, que na sua governação estava a ser tudo menos socialista, tinha de satisfazer os desejos da esquerda. Este referendo para mim - e pela atenção que tem sido dada (ou não) ao aborto desde então - não foi mais do que um rebuçado que Sócrates deu ao eleitorado da esquerda descontente com o seu Governo. Ou seja: fazerem-me de parvo, não, obrigado!